sábado, 6 de abril de 2013

Dorme, meu amor ... - Maria do Rosário Pedreira, por Carmen Dolores

[Carmen Dolores diz o poema de M. do R. P., no programa «Alta Definição», de Daniel  Oliveira - de 01 de abril 
-  [«pelos» 11 minutos] - na «Sic» - AQUI (já não, claro)  ou no «YOUTU»  [indisponível, em Março de 2021...]

Dorme, meu amor, que o mundo já viu morrer mais
este dia e eu estou aqui, de guarda aos pesadelos.
Fecha os olhos agora e sossega — o pior já passou
há muito tempo; e o vento amaciou; e a minha mão
desvia os passos do medo. Dorme, meu amor —

a morte está deitada sob o lençol da terra onde nasceste
e pode levantar-se como um pássaro assim que
adormeceres. Mas nada temas: as suas asas de sombra
não hão-de derrubar-me — eu já morri muitas vezes
e é ainda da vida que tenho mais medo. Fecha os olhos


agora e sossega — a porta está trancada; e os fantasmas
da casa que o jardim devorou andam perdidos
nas brumas que lancei ao caminho. Por isso, dorme,

meu amor, larga a tristeza à porta do meu corpo e
nada temas: eu já ouvi o silêncio, já vi a escuridão, já
olhei a morte debruçada nos espelhos e estou aqui,
de guarda aos pesadelos — a noite é um poema
que conheço de cor e vou cantar-to até adormeceres.


Maria do Rosário Pedreira,  O canto no vento dos ciprestes, 2001, Gótica, p. 45