quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

«santa-clara-a-reciclada» (ou «o tapete mental do museu») - Rosa Oliveira

[são 9 e 15;  o Qd.o  vai demorar...;
- reencontrado no sábado, ainda no saco da BERT....; abriu-se na página 66, a deste poema...; 
- em semana «pré-Envelopes», é um dos dois [o outro: «Sombras Brancas» - ant. org. por J. S. B.] que quotid. vem na «Sacola»...

santa-clara-a-reciclada

decidi então com alguma calma irritada
não entrar no museu
desta vez não 
vou ficar no tapete da entrada
aquele tapete que há em todos os museus e de onde se reza para meca
vou ficar ali e fazer um poema sobre a luta de classes
vou abrir os braços epicamente
como se estivesse num filme de cecil b. demille

nem sequer me vou sentar na ex.planada
a beber o rico café nojento dos museus
vou vociferar em surdina para as minhas mãos vazias
só porque não trouxe um livro onde me esconder

há um homem aquático de aspirador em punho
um silêncio respeitoso entalado no relvado
há gente comovida com o cenário intocável
há gente intocável num cenário comovido a oeste e a leste
a tristeza ressuscitada desce com a tarde
pelo alçapão histórico

não vou gastar tempo com descrições invisíveis
os leitores saltam à frente com olhos de coelho
a ler o final do poema como se isso fosse um alívio

teoricamente é uma infantilidade
mas não é pior do que ficar
petrificado no tapete mental do museu


Rosa Oliveira, Cinza, Tinta-da china, 2013, p. 66